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A PARREIRA


A PARREIRA


A cova funda iria servir-lhe de morada. Seria regada ao por do sol todos os dias, até que a vida surgisse. Brotaria em alguma aurora para alegrar o mundo. Far-se-ia ramo verde e escalaria o caminho que lhe fora destinado. As folhas haveriam de dar-lhe aconchego no frio cobrindo seus talos até então nus. Logo seria adornada por flores e os frutos não tardariam. Os cachos despencariam como se fossem o néctar dos deuses. O seu odor espalharia a vida pela terra. Aquela terra que, cavada as entranhas, deu-lhe o aconchego para que se firmasse a rama bruta que a levaria aos ares. Subiria sem limites, até que a mão doce do homem cortasse os brotos ainda verdes do nascimento esperado. Seus frutos desprezados, ela choraria os “filhos” que lhe foram arrancados sem dó, dos seus talos frágeis. Necessidade para fazê-la crescer forte e saudável.

O tempo haveria de passar. Imperioso. Transmutar-se-ia tantas vezes quantas fosse necessário. Era seu destino. Olharia ela, do alto, as flores a colorirem seu entorno. Veria suas folhas despencarem amarelecidas pelo tempo fazendo-se tapete, a cobrir aquele chão que segura a sua vida. Veria sóis tantos, alumiando os dias, e luas vestidas de plenilúnio a encantarem o mundo. Beberia água caída dos céus e tremeria de frio nas madrugadas cinzentas. Conheceria anos de crescimento, festas, e solidão de dias longos e incontáveis. Haveria de viver tanto, que gerações degustariam seus doces frutos. Veria chorosa, o escorrer das suas lágrimas em forma de seiva, enquanto a mão, agora pesada, do homem sem complacência, ferir seu corpo já forte e entroncado, quando dormente, no final do inverno, numa mutilação estudada para a transformação necessária.

Brotaria. Seguiria seu curso enroscando-se na espaldeira, que lhe dará a sustentação para crescer bela e forte. Vestir-se-á de verde outra vez. Encantará os olhos dos que a veem assim garbosa e delicada, debutando como as donzelas virgens, a ensaiarem os primeiros passos dos prazeres da vida. Chegará à vindima. Encherá cestos de frutos e deliciará aos mais exigentes paladares. Cumprirá o que lhe pede a mãe natureza.

Dará abrigo a prelúdios de amor, onde à sua sombra ouvirá palavras apaixonadas e as poesias escritas da alma a perderem-se no tempo, levadas pelos ventos uivantes, além das montanhas, que agora chorosas, adormecem encantadas com a maravilha da vida e com o halo que da terra exala. Deixará os pássaros cantarem em seus ramos até vê-los com os olhos marejados de orgasmos! Quem sabe, verá o pecado da entrega, a descortinar-se ante seus olhos envergonhados, da luxúria dos amantes. Em silêncio, baterá palmas aplaudindo o instante supremo. O banco de pedras haverá de gemer acolhendo os corpos em êxtase.

Logo estará transformada em líquido sacudindo-se numa taça de cristal. Ou, quem sabe, ainda em frutos colhidos, dando sabor aos beijos dos enamorados, entre juras de um amor eterno. Sabe que adocicará as bocas, ávidas de promessas tantas, dando-lhes o gosto do gozo final. Enquanto isso parte de si repousa ao lado, esperando o sagrado desfecho da sua vida de tantas histórias e tantos frutos, enquanto o palato, sedento, ao som dos mais inebriantes suspiros, saboreia-a como seu último gole. Quantas vidas haverá de brotar pelas auroras! Dezenas de anos guardarão histórias tantas, nas páginas que começam agora a serem escritas.


Bendita sejas tu, parreira, haverás de testemunhar os meus dias!

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