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A FONTE DO CEBOLA - POIARES - PORTUGAL


A Fonte Do Cebola – Poiares - Portugal

Era preciso ser muito forte. E ela era. Corajosa. Nascia ali com o seu mistério de vida, como todas as águas. De onde viria? Por qual brecha do céu escapulira para se fazer vista por aquelas bandas? Caía cantando uma doce canção de exaltação à vida. É assim que nascem as fontes. Misteriosas. Enigmas da natureza, que mesmo barulhentas são indecifráveis. Eu estava ali diante dela, ouvindo sua cantiga de vida, seu sussurrar de amor. Rendo-me à beleza das águas. Respeito a força que delas emana. Curvo-me a esse poder inexplicável e tenho consciência da minha pequenez diante delas. A vida, a verdadeira vida, nasce ali, numa nascente de água a escorrer em fio contínuo.


Deixei que se derramasse em minhas mãos e bebi sua vida palpitante, como a querer renascer, para que depois escapulisse por entre os meus dedos, sorrindo, quase zombando do meu alumbramento ante o seu poder. Quis beber daquela fonte. Era a vida me chamando. Quis saborear a doçura do nascimento, como se ela se entranhasse dentro de mim. Momento de amor entre nós, perpetuado no toque das minhas mãos. Senti-me batizada naquela pureza suprema e me argui de pensar em qualquer outra coisa, que não fosse aproveitar o mágico momento desse encontro, apesar de ser inverno, e ela fria, ao ponto de doer na minha pele. Aguentei a temperatura gelada, pois era preciso consumar o ato do conhecer. Alí há um mundo palpitante do qual me enamorei.


As imagens mais simples guardam-se na intimidade. Não se revelam. Por enquanto não penso. Vivo o momento. Tranco no mais intimo de mim aquele sentimento alí nascido. O pulsar da vida que canta nos meus ouvidos fazendo eco na minha alma. Ao redor, o mato cobre-se de flores miúdas, sem perfume, mas que enobrece o fio de água que escorre em busca do seu caminho. Dou-me o direito da solenidade da reflexão. Não tenho pressa de ir embora, porém o dia caminha rapidamente. O nosso adeus não se prolonga em incertezas nem me convida a lágrimas, porque é reconfortado na doce previsão do retorno. Espreito-a mágica no seu riso sonoro, numa mistura do real com o fictício. Tudo é efêmero. Que busco eu naquele lugar que até então era estranho, mas que de repente torna-se parte de mim?


A criança de dentro de mim ressurge serelepe querendo abraçar a vida que se descortina. Transito por porões de um tempo passado. Surge a adolescente de desejos inconfessáveis. Transgressores. Em silencio confesso-lhe o indizível. O inaudível monólogo cobre-me de forças para aceder ao peso das definições. A vida se gaba do bulício do meu interior. Aceitar a separação, a vacuidade das ausências... Estou em Portugal. Quero agasalhar-me nos oráculos das suas águas, das suas fontes, das suas flores. Rendo-me ao meu próprio grito de liberdade. Dou a mão ao amor e começo a caminhar. Testemunha murmurante, a fonte canta sua canção de paz. Vou, mas não me despedirei. Já sou pedaço desse chão. Grande é a minha esperança de voltar. Lembro-me de uma frase que li certa vez, de Teágenes: “A esperança é a única deusa sensata dos homens”. Ela, a fonte, segue lambendo despudorada o chão que a acolhe, e juntos, correm no tempo...

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