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DÁ LICENÇA?


Dá licença?


Aprendi. Acho que aprendi. Também, depois de tanto tempo sendo pau pra toda obra, ah, faça-me o favor, agora sou dona de mim. Sou maior de idade, vacinada, dona do meu nariz e da minha vida. Tá achando ruim? Foda-se. Mudei. Agora eu faço tudo o que me der vontade. Bebo cerveja e vinho. Como buchada de bode. Ando de sandálias rasteiras e short e prendo os cabelos como rabo de cavalo. Não sou mais criança, mas não me sinto ridícula. Isso eu era quando engolia as minhas angustiosas necessidades de viver, mas ia cuidar dos outros. Esfregar a barriga no fogão, como dizem os machistas de plantão.

Fazer comidinhas gostosas para ouvir um elogio aqui, outro acolá, enquanto estava tão cansada que sequer sentia o sabor da comida. Idiota! Penso eu agora. Que fizeste da tua vida? Passaste por ela e ficaste olhando-a de lado, de bandinha, sem coragem de ir atrás das tuas vontades. Em que me tornei? Pergunto a mim mesma sem obter respostas. Já fui tão subserviente que desconfio que eu nem fosse gente. Ainda arrumava tempo pra espiar a lua. Plenilúnio! Ficava lá embevecida me achando dona do mundo, babaca, isso sim, a lua estava nem ai pra mim...

O tempo tem passado numa louca e desenfreada corrida. Os ponteiros do relógio não param e o seu tic tac é como uma sentença ditada pelo tempo, que corre voraz, engolindo as horas. O calendário muda e eu tento correr para aproveitar o que o medo tomou-me sem pudor algum. Tento perder esses medos acumulados pelo tempo. Quero escapar dos limites obrigatórios do real. Fujo das definições inerentes aos seres.

Quero aquele lado aventureiro que não me atrevi a viver. Descobri-me há tempo e encolhi-me na carapaça que criei para proteger-me, mas de quem? De quê? De mim mesma? Incógnita da vida. Quero a paz que busquei tanto, mas me excita a guerra porque acredito poder vencê-la. Escancaro as minhas janelas para ver o tempo fazendo piruetas no ar e derramar-se em silêncios gritantes. Confronto-me a espera de respostas que não veem, mas sigo nessa estranha atração que hoje sinto por mim mesma.

Escreveu Clarice Lispector: “Mas quem sou eu para censurar os culpados? O pior é que preciso perdoá-los. É necessário chegar a tal nada que indiferentemente se ame ou não se ame o criminoso que nos mata”.

E assim, perdoo o tempo e a mim mesma por não ter tido tempo de aproveitar o meu tempo, antes que ele me mate, com o tempo. Agora tenho todo o tempo do mundo...


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