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PROVA DE AMOR


Prova de Amor

Admirava aquela cama, que ele, havia, em nome daquele amor, imaginado, desde o desenho no papel, à sua confecção. Estava embevecida com aquele homem, que às vezes lhe parecia um menino carente de afagos. Não sabia o que dizer. Qualquer palavra naquele momento soaria estranha, diante do carinho daquele ato artesanal. - A cama é linda! – balbuciava com um estranho remexido no coração -, e como era linda! E o mais importante, ali havia ficado as carícias das suas mãos a moldá-la e dar-lhe forma. Alí tinha um pedaço dele impregnado. Prova de amor que, na sua simplicidade, fazia-se divina. A roupa que vestia a cama, toda combinada, dava-lhe a certeza do tamanho do sentimento que ele dispensara àqueles objetos, que de repente tinham vida e história.

O frio, imenso, era cantado pelo vento delirante. A bruma do dia encobria o horizonte a perder-se de vista. As árvores despidas anunciavam a primavera. Logo encher-se-iam de flores. A paisagem portuguesa tinha um quê de mistério que me encantava. Que me fazia transgredir ao meu próprio imaginário e me inquietar com o “pecado” do amor. Perguntava-me já sabendo a resposta: - O que é felicidade? -, uma pequena Aldeia salpicada de encantos, com o chão coberto de relva verdinha, donde brotavam margaridas que dançavam ao vento, exibindo-se como damas dos campos. Lá adiante, onde o tempo perde o fôlego, e a lenha trepida em chamas, o fogo alumia a cama, que, silenciosa, testemunha os gemidos e as juras de amor. Felicidade custa tão pouco... Basta conhecer o amor!

Ao derredor, os braços dos montes protegiam as casas e deixavam escorrer lágrimas, que lá embaixo juntavam-se e quebravam-se em cascatas que logo iam transformando-se em cantigas. E a canção das águas confundia-se com o palpitar do meu peito alvoroçado. Os corpos entrelaçados espantavam o frio, e o infinito fazia promessas. Os meus sonhos despontam como as canções das águas, que seguem desbravando e desvanecendo-se dos obstáculos que se apresentam à frente. É preciso se ter sonhos. Sonhos daqueles bem grandes. Quase impossíveis. Assim deve ser o verdadeiro sonho sonhado. A cama testemunhava calada, a conversa do coração. Mostrava-se companheira e aconchegava os corpos trêmulos.

O dia adormecia no horizonte cinzento de névoa. Desafiei a mim mesma em caminhos estreitos, entre pedras e flores. Após caminhar por seus chãos dispo-me de mim. Minha alma nua está inteira. Na escuridão da noite acendo a vida. Há estrelas pelo céu. Deve haver. Ao menos eu as mantenho luzindo mesmo que nada veja. Assim, lembro Miguel Torga:

“O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida”.

As minhas estrelas brilham. Faz algum tempo apaguei as candeias. Não preciso mais delas para enxergar. Até a cama, quem sabe, continua salpicada de estrelas e guardando os maiores segredos ali confessados. Estará esperando a minha volta. E repetindo Torga:

“A vida afectiva é a única que vale a pena. A outra apenas serve para organizar na consciência o processo da inutilidade de tudo”.

Voltarei. Preciso daquela felicidade. Preciso que a vida se abra em flores.

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