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INUSITADA VIAGEM



lnusitada Viagem


Fui ao aeroporto, setor da Polícia Federal, para apanhar o meu novo passaporte. Feliz da vida, por ver que no meu país existe um serviço público de altíssima qualidade e pessoas educadas trabalhando com prazer, sai “abanando” meu documento de viagem com o coração cantando de alegria, pois a cronometragem perfeita do tempo e o bom atendimento fazem desse, um serviço rápido. Apanho o ônibus na entrada do aeroporto, dica de uma amiga, um serviço também de qualidade, quando comparamos as outras linhas rodoviárias, pois dispõe de ar condicionado, não roda lotado e ainda custa menos que outros, não se compara ao que pagaria se fosse de táxi, perfeito para o momento.


Imaginem vocês, época de carnaval, trânsito caótico em toda a cidade... Dentro desse ônibus eu me senti no céu e quem dirigia? Uma mulher. Perfeito! Entro, juntamente com um casal, cumprimentando a motorista e o cobrador e somos recebidos alegremente. Claro, é uma mulher... Não desmerecendo alguns educados, ô povinho grosso é motorista de ônibus. Daí vem à pergunta: -“alguém sabe o roteiro dessa viagem, pois é o meu primeiro dia nessa linha, do cobrador também, e nós não sabemos as ruas pelas quais devemos circular”?-, silêncio. Ninguém sabia. Ai lascou, né? Ninguém sabia o caminho. Coitada da motorista, Neide, pediu mil desculpas, a empresa não havia fornecido um roteiro ou qualquer coisa que mostrasse a rota a seguir. Como sempre, tranquila e brincando eu falei:

- Bobagem! Vamos em frente e seja o que Deus quiser, a gente sai perguntando até chegar lá, afinal, pra tudo tem jeito. “Simbora” nessa nossa aventura porque estou adorando essa viagem!-. Todos riram, Neide agradeceu a compreensão, e seguimos adiante.


Numa parada, sobe um rapaz com síndrome de Down, e ao saber que estávamos perdidos por Boa Viagem, ele diz: - Ora, eu sei o caminho até a Av. Conselheiro Aguiar, onde vou descer. Eu ensino-. Já éramos dez passageiros “perdidos” agora. Viva! - Gritamos todos alegremente -, e seguimos viagem, agora, sob a orientação de Danilo e as bênçãos dos céus, que sentado ao meu lado, “dava” as ordens. Entra na próxima, para esse lado -, dizia ele esticando o braço como se a motorista pudesse adivinhar para onde apontava-. Era pra ter entrado na rua que passou, grita alguém. Tem nada não, entra na próxima, diz outro. E Danilo, “calem a boca que quem sabe do caminho sou eu e eu é que ensino”. E a todos que entrava no Ônibus, ele dizia: - “se preocupem não. A motorista é novata, tá perdida e eu ‘tô’ ensinando o caminho a ela. A gente vai chegar”-. A princípio olhavam assustados, mas depois todos riam e o danado do ônibus ia enchendo...


Entrava em cada rua estreita e saía “tirando fino” nos carros estacionados, dos dois lados das ruas, deixando um espaço mínimo para um veículo de grande porte, ora, era carnaval e o povo (des) educado que é se acha no direito de ser dono das ruas. Tinha um estacionado exatamente numa curva. Sei não... - Cuidado que vai bater! – grita alguém lá atrás. Desce o cobrador para orientar a motorista que, graças a Deus, não perdia o bom humor. Enrola todo, dizia um. Dá ré, dizia outro. Desenrola agora. Agora dá. Em frente. E assim chegamos ao Shopping Recife onde ele entra antes de chegar ao centro da cidade. Danilo continuava ensinando o caminho, até que desceu na sua parada e despediu-se de todos dizendo: “Até aqui eu ajudei vocês, agora só Deus mesmo e seja o que ele quiser. Vão rezando”-. Todos nós rimos e agradecemos a ele, a ajuda. A partir daí, o caminho era mais fácil e todos conversavam alegremente, como velhos amigos, rindo da aventura e deixando a motorista à vontade e tranquila. Cada um que descia agradecia e dizia que fora uma excelente viagem. Neide agradecia a todos com muito carinho pela compreensão e seguia a viagem cada vez mais confiante. O ônibus lotou. Ninguém reclamou e todos estavam leves e felizes.


Pensei que o mundo pode ter jeito, basta que sejamos alegres e fraternos. Mas era sabido que logo cada um cuidaria da própria vida. E citando o fantástico Julio Cortázar no seu famoso conto A autoestrada do sul: “Todos corriam a oitenta quilômetros por hora na direção das luzes que cresceriam pouco a pouco, já sem que se soubesse para que tanta pressa, para que tanta correria no dia entre carros desconhecidos onde ninguém sabia nada dos outros, onde todo mundo olhava fixamente para frente, unicamente para frente”. Assim seria conosco, todos iriam em frente, em busca das suas vidas e este, seria só um episódio engraçado para lembrar. Enfim, cheguei a casa. Eram quase dezoito horas, para quem saiu às nove, os pés doloridos, cansada feito a gota, mas feliz, pois uma aventura de quando em vez sacode a vida da gente. Foi uma das melhores viagens que já fiz. A essa altura, Neide já aprendeu o seu roteiro de viagem e Danilo deve estar contando alegremente a quem encontra sobre a sua fantástica aventura e seu feito heroico. E que Deus cuide de todos nós.

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