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NO AEROPORTO...


No Aeroporto sonho e liberdade

Estou sentada a comer gulosa a minha fatia de torta de chocolate negro, com recheio e cobertura de chocolate branco, acompanhada de refrigerante geladíssimo. Tudo o que uma pessoa da minha idade talvez não deva fazer, mas faço-o prazerosamente, desejando que a vida fosse tão doce quanto. O vai e vem do aeroporto convida-me a observar as pessoas que circulam, e o que acontece por seus imensos corredores. Uns passeiam calmamente, outros, apressados, seguem em busca dos seus, quem sabe, sonhos. Uma mãe amamenta carinhosamente o seu filho enquanto conversa com ele e acaricia-o mostrando-se inteira, doadora do amor maior. Numa outra mesa, uma bela menina de uns cinco anos, canta alegremente uma música que me transporta à infância, fazendo-me rever a pequena “atriz” que eu fora, encenando aquela peça no teatro. Tanto tempo passou... A mãe chama-a e lá se vai ela, rodopiando alegremente nos seus muitos gracejos de criança feliz. Passa por mim e sorri. Retribuo o sorriso encantador dela e sinto cócegas no coração.

A cantiga das roldanas das muitas malas a caminharem pra todo lado naquele piso lustroso, me transporta e me faz vislumbrar os sorrisos de cada um. Sou atrevida. Quero adentrar-me naqueles trejeitos faciais e adivinhar os sonhos que se espalham naqueles imensos corredores. Uns abraçam-se chorosos com a despedida, outros sorrindo com a felicidade do reencontro a contarem histórias. Sou curiosa com os semblantes. Quero as respostas as minhas perguntas mudas. Além das muitas bagagens, o que carregam aquelas almas? Tenho urgência em saber. Uma voz anuncia o próximo voo. Alguns se apressam ainda mais. Um casal passeia de mãos dadas. Outro se senta conversando animadamente na mesa junto da que eu estou. Tantas vidas. Tantas histórias...


Olho o tempo distraidamente e me dou conta que ele passa sem piedade. Sou tantos desejos! Devaneio, mas sou consciente do que quero. Faço perguntas ao meu coração e perscruto o meu tempo, como se ele já estivesse muito gasto e me restasse agora bem pouco. Permito-me sonhar também, enquanto há tempo. De repente, sinto-me corajosa. Ninguém imagina como me sinto corajosa. Penso: - vou começar o que já devia ter começado-, e lembro Miguel Torga quando diz: -“Recomeça... se puderes, sem angústia e sem pressa e os passos que deres, nesse caminho duro do futuro, dá-os em liberdade, enquanto não alcances não descanses, de nenhum fruto queiras só a metade”.


Eu quero-o inteiro, para comê-lo esganada. Que louca eu sou! Será? Ou apenas tenho os desejos calados, agora se manifestando e gritando alto dentro de mim? Olho ao derredor. Olhos chorosos e acenos medrosos. Olhos felizes de encontros, de retornos, de vidas que são decididas e postas à prova dos dias e do tempo. Sou mais alguém que faz promessas ao céu e se alumia feito estrela cadente, quando se dá conta do possível. Vida que se despede das incertezas passadas e olha o futuro com a esperança dos que têm a mesa farta do maior amor. O amor é múltiplo e se ramifica de todo e qualquer jeito e em qualquer lugar. O amor é a liberdade da doação. Mais uma vez recordo Miguel Torga quando diz brilhantes versos:

“Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,

Saborear, enfim,

O pão da minha fome.

— Liberdade, que estais em mim,

‘Santificado seja o vosso nome’”.


E assim, olhando aqueles rostos expressivos, querendo cascavilhar-lhes os destinos e os segredos, sorri para mim mesma. Saí dali com a alma em rebuliço e a minha liberdade como companheira. Lá fora, o dia se fazia a alegria rotineira. No espaço, o pássaro de aço zunia.



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